Após perder documentos em enchente, o pernambucano Leonardo da Silva tentou tirar nova via da identidade e foi impedido por constar em seu registro de nascimento que ele era do gênero feminino.
Por Marina Meireles, G1 PE
Registro errado do gênero na certidão de nascimento de Leonardo José da Silva, 38, deixou o pernambucano desempregado ao longo dos quatro últimos anos (Foto: Marina Meireles/G1)
Por mais de três décadas, o pernambucano Leonardo José da Silva, de 38 anos, não teve problemas em tirar novas vias da carteira de identidade para substituir as que foram roubadas ou simplesmente perdidas. Há quatro anos, no entanto, ele se deparou com um entrave para emitir a quarta via do RG: o gênero feminino que consta em sua certidão de nascimento.
Desde a descoberta, o erro tornou-se um empecilho para a retirada de um novo documento, impedindo a conquista de um emprego fixo e trazendo dificuldades para a vida dele, da esposa e dos nove filhos, que vivem da ajuda do Bolsa Família e da pouca renda dos esporádicos trabalhos temporários.
A necessidade de emitir uma nova via da identidade veio em 2013, junto com a água que invadiu a casa em que morava com a família no bairro de Paratibe, no município de Paulista, na Região Metropolitana do Recife. A enchente inviabilizou o imóvel, levou documentos e impôs à família um recomeço do zero.
Quando Leonardo deu o primeiro passo para reconstruir a rotina, indo a um cartório para emitir a nova carteira de identidade, foi impedido devido à informação errada sobre o seu gênero que consta em sua certidão de nascimento.
Leonardo e Luciana são pais de nove crianças e contam com ajuda de amigos e de programa social para sustentar os filhos (Foto: Marina Meireles/G1)
“Já tinham emitido a identidade outras vezes, mesmo com o erro, mas, quando eu fui no cartório depois da enchente, me disseram que o meu registro de nascimento não valia. Sou pai de família, desempregado, mas eles riram de mim e disseram que não podiam fazer nada”, conta Leonardo, que amarga, desde então, dificuldades para sustentar a família.
Até a terça-feira (11), ele havia feito apenas um único serviço neste mês de julho, de retirada de entulhos de uma fábrica, recebendo R$ 50 pelo trabalho.
Pai de nove crianças, ele se vira como pode para sustentar a casa. “O que aparecer, eu faço. Também peço dinheiro a um, a outro, mas é muito desconfortável ter que pedir. Eu só não faço roubar”, alega, demonstrando infelicidade com o erro que lhe rendeu portas fechadas de empregadores ao longo de quatro anos. As contas, no entanto, não pararam de chegar.
“A gente tem o aluguel da casa para pagar e os filhos para alimentar”, conta Luciana Pereira da Silva, de 31 anos, esposa de Leonardo. “Em alguns meses, a gente paga; em outros, a gente não consegue”, relata, sentindo-se grata pela cesta básica mensal vinda da igreja que frequenta.
Apesar de não haver abundância na mesa, ela afirma que os mantimentos são suficientes para alimentar o casal e os filhos Larissa, de 11 anos; Raíssa, 10; Guilherme, 8; Rhandelly, 7; Leandro, 6; Vitória, 5; os gêmeos Davi e Miguel, 3; e a caçula Safira, de um ano e cinco meses.
Solução
Os obstáculos surgidos pelo problema na certidão de nascimento de Leonardo começaram a ser superados no fim do mês de junho, quando o proprietário da casa em que a família atualmente mora, integrante de uma ONG, procurou um advogado para dar início ao processo de correção do gênero que consta no registro. Leonardo não sabe ao certo o procedimento que foi feito para corrigir o problema, mas se sente grato por, atualmente, ter a informação certa na certidão.
“Eu consegui o registro novo, mas a identidade só chega em alguns dias. Agora estou confiante pra conseguir um emprego. Agora eu deixei de ser uma menina para a Justiça”, diz, ansioso para conquistar um emprego fixo e dar uma vida melhor às crianças.
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Procurado pelo G1, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) explicou que as pessoas que identificam algum erro aparente, por exemplo, na grafia de um nome ou erro na identificação do sexo de nascimento, podem procurar um Cartório de Registro Civil para que a retificação seja feita. Em casos de erros grosseiros, por exemplo, um nome trocado, a retificação demanda um processo judicial.
Ao verificar algum problema, a indicação é procurar o Cartório de Registro Civil mais próximo do local onde a pessoa reside, que serão fornecidas as informações acerca do procedimento adequado para retificar as informações. Com relação ao caso de Leonardo, o TJPE explica que o cidadão poderia ter feito a retificação no Cartório de Registro Civil, não sendo necessária a ação processual.
Segundo o TJPE, casos que podem ser resolvidos no Cartório de Registro Civil chegam a uma solução rapidamente, às vezes até no mesmo dia. Os casos que requerem intervenção judicial são resolvidos após o tempo da tramitação processual.
Pessoas que comprovadamente não tenham condições de pagar os custos podem realizar o procedimento gratuitamente. Em geral, é preciso verificar a tabela de custas do cartório; porém, o valor costuma ser por volta de R$ 150.
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